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A sensação paralisante de que “nada mais mudará”

  • Foto do escritor: cassandrasiqueira
    cassandrasiqueira
  • 18 de out. de 2023
  • 2 min de leitura

Numa família em que há um membro com transtorno psiquiátrico de longa data, a vida parece que sempre foi dominada pela doença e sempre será. O passado é visto igual ao presente e o futuro não promete nada novo. As fronteiras entre o borrão passado-presente-futuro eventualmente desaparecem. No final, nem o passado nem o futuro são considerados ou mesmo percebidos.


Em um artigo antigo intitulado “A perda do tempo em sistemas crônicos - Um modelo de intervenção para trabalhar com condições de longo prazo”, de 1994, Jeff Young, psicólogo clínico e terapeuta familiar, lembra que embora as doenças crônicas possam ser experimentadas como imutáveis, geralmente têm um curso progressivo, cíclico ou aleatório, ou seja, estão em constante mudança.


No entanto, a experiência de cronicidade pode convidar as pessoas acometidas por estas condições, as famílias e até mesmo os profissionais a escorregar imperceptivelmente em uma sensação de que nada que eles façam mudará os dilemas vividos.


Assim, paralisados por uma sensação de atemporalidade, vamos nos tornando incapazes de perceber sejam as mudanças nas circunstâncias, sejam os (muitas vezes, importantes) passos dados, e acabamos incapazes de dar novas respostas à vida.


Se a dimensão temporal se perder na visão do mundo, então a possibilidade de esperança, crescimento e mudança também se perdem.


Esperança, crescimento e consequente mudança dependem da dimensão do tempo.

Esperança é a expectativa de que as coisas podem melhorar no futuro; o crescimento é uma progressão ao longo do tempo; e mudar é a diferença ao longo do tempo.

Quando a vida é vista de um ponto de vista atemporal, a expectativa de alternativas, novas possibilidades e o progresso não são considerados porque, sem uma percepção do tempo, os eventos param e a ação individual está paralisada.


Em situações de paralisia, será que conseguimos reiniciar nossos relógios? É uma das perguntas que ele traz.


Mas ancorar o passado ao passado, diferenciá-lo do presente e do futuro e restabelecer a percepção do tempo, pode não ser nada fácil, ainda que pareça ser um caminho necessário.


“Liberar a percepção do tempo, no entanto, pode despertar sentimentos intensos de tristeza, raiva ou ressentimento ao perceber diferenças entre o passado e o hoje ou entre possibilidades atuais e futuras. No entanto, quando estes sentimentos são tratados com sensibilidade e compaixão e compreensão, geralmente é melhor, especialmente no longo prazo, do que ficar paralisado pelo feitiço 'nunca mutável' da cronicidade.”


Eu acredito que boas relações terapêuticas são importantes neste processo, inclusive para nós profissionais de saúde.


Cassandra Siqueira, psiquiatra.

CRM PR 28567 / RQE 24096


Artigo completo: Young, J. (1994), ‘The Loss of Time in Chronic Systems: An Intervention Model for

Working with Longer Term Conditions’, Australian and New Zealand Journal of Family Therapy, 15/2: 73–80. https://doi.org/10.1002/j.1467-8438.1994.tb00990.x




 
 
 

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